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Deus, a Cientista, o Empresário, e o motorista de Uber: crônicas da pandemia.





Deus, a Cientista, o Empresário, e o motorista de Uber.
                                                                                                                       por Kleber Del Claro
 
Estava Deus atribulado com seus problemas em tantos outros mundos pelo universo afora, quando um anjinho veio batendo as asinhas muito apressadas e com ar ofegante lhe disse:
- MD é a Terra de novo! 
MD é como os anjinhos chamam Deus, se você não está familiarizado com latim, significa Magnus Dominus, ou seja, Grande Chefe. 
E então Deus perguntou:
- Angelus Caelesti (Anjo Celestial em latim), é serio assim? Tenho que ir de novo lá? Espero que não seja bomba atômica, terceira guerra, Eita viu! A Terra não dá sossego!
 E então veio Deus ver o que estava acontecendo aqui. Baixou na Terra sem muito preparo, foi tudo muito rápido. Chegou descabelado, com uma túnica branca meio gasta, barbão, cara de cansado, sandálias de um couro surrado. Quem via, pensava que o velhinho tinha fugido de casa e era doidinho. E Deus aportou num Uber! 
 Deus estava no banco da frente. Ao seu lado Mário, o motorista. Um engenheiro desempregado que teve que virar motorista para sobreviver. Atrás, Ana uma jovem cientista e ao seu lado um empresário, Carlos Paulo, dono de uma loja de eletrodomésticos. E começou:
- Estou falando sério. Nós não temos reagente e material de proteção. O governo cortou minha bolsa de doutorado e esse vírus mata muito viu! Como vamos achar uma cura sem apoio nenhum e rapidinho como querem? – disse Ana.
- E o pior é esse isolamento cara! Já estava sem emprego e sou engenheiro. Agora quase sem passageiro. A coisa está feia para o pobre, o trabalhador viu! Se não morrer de vírus, morre de fome, por que esses aí ó! – E Mário olhou pelo retrovisor para Paulo Carlos.
- Esses aí ó o que? Tá falando por que sou empresário é? Tá difícil pro rico também. Veja eu, de Uber hoje! – disse o empresário que tinha se esquecido de abastecer o carro entre uma reunião e outra.
- É, mas a geladeira tá cheia em casa né? E a moça aí procurando a cura dessa porcaria sem ganhar nada. Eu nessa doideira, me expondo e você demitindo né? Que vergonha, já ganhou tanto! O senhor tem dez lojas, tem que ganhar mais? Não pode dividir não “mermão”? – falou o irritado motorista e Deus só olhando. 
- O Mário, é Mário né? - disse Ana e Mário assentiu com a cabeça. Não está fácil para ninguém. Ele não vende, não tem como pagar os funcionários. Tem aquele monte de encargos trabalhistas, e o governo moroso em tudo, indeciso, não ajuda como deve. Nem nós, nem ele amigo! – Finalizou Ana, numa polidez científica contemporizadora.
 E então quem não devia, abriu a boca novamente.
- O que eu fiz pra Deus! – Disse o empresário. – Entrei num Uber com um comunista de motorista e uma santinha da balbúrdia! Tudo maconheiro nas universidades e agora vem dizer que vai curar o câncer. Tô demitindo sim, porque já faz duas, duas semanas que as lojas estão fechadas. Daqui há pouco sou eu que estou no Uber, por causa de uma gripezinha que vai matar quanto? De 5 a 7 mil num país deste tamanho? E vocês preocupados, por que essa doença só mata velho, vocês vão escapar. Não precisava nada disso aí tá ok?
 Mário, indignado, engoliu seco e sacudiu a cabeça. Ana perplexa encheu os olhos de lágrimas. E Deus então falou:
- Ana, minha querida. Muito agradecido por seu desprendimento. Por estar se doando ao seu próximo. Tenho certeza de que contribuirá para encontrar a cura dessa doença terrível. Que bagunçou toda a Terra novamente. – Ana olhou assustada para o velhinho pelo retrovisor. Parecia que a sua íris era um universo, desses que a gente vê em filme, rodando. – E Deus continuou.
- Mário, meu moço, que está levando gente para trabalhar para lá e para cá. Incluindo enfermeiros, de monte, que eu vi! A economia vai se recuperar, continue estudando e se aprimorando. Deus ajuda quem cedo madruga, não é? Vai conseguir seu lugar ao sol. – E Mário sorriu para Deus. Que então, olhou para Carlos Paulo demoradamente. O empresário então disse:
- O velhote, não vai falar nada para mim? Ofendeu porque eu disse que só mata velho esse vírus? – Deus esticou a mão e lhe estendeu um papel. Carlos pegou o papel e começou a ler:
- Maria José L. Santana, Paula L. Santana, Carlos Paulo L. Santana Jr., uai de onde conseguiu o nome da minha mãe, minha esposa e do meu filho? Porque estão nessa lista? – E Deus disse:
- Você não perguntou quem eu sou, mas vou me apresentar. Sou Magnus Dominus, ou para vocês, Deus! – os três olharam espantados e Carlos disse:
- Falei para não acabarem com os hospícios! Era o que me faltava, o comunista, a mocinha da balbúrdia e o velho gagá! Que dia! – Mas de onde tirou essa lista com esses nomes? – E Deus disse:
- Pois bem, Carlos. Você disse que 5 mil a 7 mil não era nada, não é isso mesmo? Mortes aceitáveis, se eu entendi bem?
- É falei! - disse Carlos irritado e já raivoso. 
- Então, essa é a lista dos 5.387 mortos do seu país pelo coronavírus. Mortes aceitáveis! E agora vou indo ver uns Presidentes e resolver essa confusão – E Deus deixou um dinheiro e um bilhete com o motorista e desapareceu do taxi, antes que Carlos pudesse falar qualquer coisa, levando com ele a lista. Só ficou uma fumacinha no ar.
 Mário estancou o carro e os três se entreolharam completamente estarrecidos. Mário guardou o dinheiro e abriu o bilhete. Então sorriu.
- O que está escrito? – Perguntou Ana, enquanto Carlos estava em choque. – E Mário leu.
“Devem permanecer a fé, a esperança (na ciência, pois lhes dei inteligência!) e o amor (ao próximo, pois lhes dei o livre arbítrio para decidir), estes três; mas o maior destes é o amor (1 Coríntios 13:13). 
Ana e Mário se abraçaram. Carlos Paulo perguntou:
- Mas o que isso quer dizer? Entenderam tudo? E a tal lista? Meu filho, minha esposa, minha mãe?
  E Ana respondeu:
- Dos três que devem permanecer, fé, esperança e amor. A sua resposta está no amor! Escolha o amor ao próximo Carlos! E tenha fé e esperança!

Ouça no Podcast

https://soundcloud.com/user-681218728/deus-no-uber

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