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Foto do escritorKleber Del Claro

Vamos falar de Assédio no Dia Internacional da Mulher.

Atualizado: 7 de abr. de 2021


Neste Dia Internacional da Mulher decidimos tocar em um ponto doloroso e infelizmente habitual no meio acadêmico, o assédio sexual e moral.

Em 2018 foi publicado pela “Academia de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos da América” (Committee on Women in Science, Engineering, and Medicine Policy and Global Affairs) um dos maiores estudos já feitos sobre o assédio moral e sexual no ambiente acadêmico (Ref1,2). Em um dos depoimentos uma mulher, membro de uma faculdade de medicina nos EUA relata um caso de abuso onde os colegas diziam para ela “não comentar”, “tomar cuidado com as repercussões” de uma situação na qual ela declara que “Não deveria ter que me preparar para ser estuprada quando vou trabalhar”. Há dezenas de relatos como esse no documento intitulado: “Assédio Sexual Contra as Mulheres: Clima, Cultura e Consequências nas Academias de Ciência, Engenharia e Medicina¹”. O documento conclui que mais da metade das mulheres pesquisadas sofreram algum tipo de assédio que vão de trabalhista, sexual ou ambos, incluindo abusos ou agressões sexuais, desprezo ou menosprezo profissional e pessoal durante sua formação ou no exercício da profissão. Em geral o abusador era um homem, em posição hierárquica superior ou igual.

No Brasil e na maior parte do mundo não é diferente. Repetidamente nos deparamos com situações explícitas ou mais ou menos veladas de assédio moral e sexual na academia. Nas universidades, institutos de pesquisa, empresas que lidam com desenvolvimento de ciência e tecnologia, os relatos são extremamente similares. O assediador vai de olhares de desdém a comentários pejorativos, profissionais, pessoais, físicos, sexuais. Ou assedia com galanteios, toques e carícias indesejadas em ombro, cabelos e por aí vai. Oferece presentes ou favores, chantageia. Ataca com tudo, confiante na impunidade. No corporativismo machista que impera em muitos dos nossos ambientes.

Em 2017 a revista Pesquisa Fapesp (Ref 3) publicou um artigo muito importante, “A sombra do assédio na integridade da ciência”, no qual destaca que Eric Davidson, professor da Universidade de Maryland e presidente da American Geophysical Union (AGU) discute que “Embora intolerável, o assédio sexual é um problema enfrentado de forma persistente pela comunidade científica”, o artigo mostra que o assédio pode destruir carreiras científicas, causando enormes prejuízos à ciência. Não há dúvidas sobre isso. E os casos nem precisam ser tão agressivos.

O assédio moral ligado ao gênero feminino se faz também através do menosprezo, da falta de apoio, da exclusão e inibição à carreira por parte de muitos orientadores (homens e mulheres) às alunas que engravidam durante a pós-graduação, em um exemplo tristemente comum. A falta de apoio institucional formal e compreensão das universidades para com suas docentes com filhos pequenos, as colocando à margem do processo científico como se fossem um pesquisador de segunda categoria. Esta é uma queixa comum, e justa, na maior parte do mundo. Cabe salientar que a crise da pandemia mundial da CONIV-19 intensificou enormemente essas pressões, especialmente sobre as mães de filhos pequenos.

Um levantamento feito pelo Intercept (Ref4) indica que, “desde 2008, pelo menos 556 mulheres, entre estudantes, professoras e funcionárias, foram vítimas de algum tipo de violência em nossas instituições de ensino superior. Entre os casos, há assédio sexual, agressão física e/ou psicológica e estupro – a maioria dentro das instalações universitárias e praticada principalmente por alunos e professores. A análise partiu de 209 ocorrências levadas às instituições – em algumas delas”, o que é ainda mais assustador, “um agressor foi apontado por mais de uma vítima”.

É triste demais, mas continua inabalável, como vemos em diversos relatos na imprensa (basta Googlar - não iremos identificar aqui), o assédio sexual onde os criminosos chegam ao extremo após a tentativa ou efetivação de algum ato, de completarem a agressão com ameaças de “não defesa da tese”, “ter reprovação”, “desgraçar com sua carreira”, “perder a bolsa se falar isso”, “nunca mais terá apoio do grupo de pesquisa”, “foi uma brincadeira”, até mesmo ao ataque físico direto (Ref 3,4 e 5). Cabe salientar que a “advertência” vem do próprio assediador, e muitas vezes de pessoas ligadas a ele que acobertam e/ou ajudam a intimidar. Sim, o mal nunca está só. Ele tem a ajuda dos omissos ou coparticipes.

Atualmente, várias instâncias das universidades e institutos de pesquisa, juntamente com a justiça de muitos países, se tornaram muito mais atuantes nessas questões e tem acertadamente investigado os casos, para além dos portões da cumplicidade, resultando em punições severas e demissões noticiadas na imprensa (Ref4,5). Chamo a atenção para a proteção não apenas às vítimas, mas também aos denunciantes. Como todos sabemos é dever do Funcionário Público, ao tomar conhecimento de um mal feito, denunciar. Mas muitas vezes esse denunciante, um coordenador de curso, um diretor de unidade acadêmica, um outro professor, passa a ser perseguido e ameaçado, da mesma forma que a vítima direta, sem nenhum amparo institucional.

O assédio que prejudica carreiras, vai além muitas vezes do pessoal. Algumas vezes é institucional. Cobranças excessivas, pressões injustas e injustificadas, a falta de apoio ao prosseguimento ou o retorno à ciência após períodos de maternidade, por exemplo, é conspícuo em nossas instituições.

Isso precisa ser corrigido, ações concretas e não apenas formação de grupos de apoio (que ajudam!) precisam ocorrer. Ações concretas entendam como leis, determinações superiores que não possam ser, também, minimizadas.

Para finalizar, queremos dizer às mulheres, e a quem quer que seja vítima de assédio moral ou sexual que denuncie. Junte provas, procure apoio, vai encontrar esse apoio.

Que um dia todas as mulheres tenham o respeito humano que merecem e sejam lembradas não apenas em um dia, mas o tempo todo.


A Ciências que nós fazemos - https://www.cienciaquenosfazemos.org/

*Ref:


Kleber Del-Claro - Editor de A Ciência que nós fazemos – Pesquisador 1A do CNPq.

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